quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A igualdade da mulher não é possível sem uma revolução masculina

É com o texto do jornalista e escritor Javier Montilla, a seguir traduzido, que quero terminar 2009, com a consciência clara de que é preciso alterar mentalidades para que as mudanças reais sejam possíveis; não é só o feminino que está em causa, também a construção da identidade masculina precisa de sofrer alterações profundas, com o nosso empenho comum numa sociedade mais justa talvez possamos chegar a algum lugar.

«Nós, homens, herdamos, através das diferentes gerações, o modelo do homem tradicional, baseado em ideias de força, poder e competitividade. O homem tem de ter êxito, dirigir, dispor conforme a sua conveniência. A força, portanto é o eixo veicular de todo o modelo. Temos pois a obrigação de aparecer sempre fortes diante de todo o mundo. Somos reféns desta ideia e não temos sido capazes de construir um modelo alternativo de masculinidade. Está na hora, no meu ponto de vista, de mudar este modelo em direcção a uma masculinidade baseada na igualdade, na justiça, no respeito e na solidariedade. A igualdade de facto da mulher não é possível sem uma revolução masculina. E esta revolução requer que o homem se reconheça a si mesmo como um ser sensível, afectivo e vulnerável para começar a questionar os estereótipos sociais e culturais dominantes. Esta mudança, penso, é primordial para que a batalha contra a violência machista seja combatida também pelos homens. Habitualmente, quando falamos de violência contra as mulheres a primeira ideia que nos vêm à cabeça são os maus tratos físicos. Todavia, por detrás de cada caso escondem-se vítimas que permanecem em silêncio. São as vítimas invisíveis em contraste com aquelas que aparecem nos títulos dos periódicos e que são apenas a ponta do iceberg de um problema generalizado que afecta todos os estratos sociais. Não nos enganemos. A violência machista é uma questão que, longe de pertencer ao âmbito doméstico e privado, constitui um problema social grave que cresce dia a dia e exige a adopção de medidas integrais. Indubitavelmente são necessárias aquelas medidas que tem a ver com a protecção efectiva que vão desde a segurança pessoal à tutela judicial ou aos serviços públicos que ajudem as vítimas a uma recuperação da sua autonomia pessoal, questões que a Lei Integral Contra a Violencia de Género, aprovada pelo primeiro Governo Zapatero, já reflecte. Mas também são vitais aquelas acções que favorecem uma mudança social, cultural e estrutural. Quer dizer as que procuram ir à raiz do problema e que se entendem como medidas preventivas, educativas e de sensibilização. É necessário, em consequência, um incremento das medidas educacionais, fazendo pedagogia contra qualquer tipo de violência, incluindo a violência contra os animais. De facto, muitos investigadores têm afirmado que existe uma conexão entre violência contra os animais e violência contra os seres humanos. Os agressores, na sua grande maioria, não são homens diferentes, ou com algum tipo de enfermidade, como poderíamos pensar. São homens comuns, cidadãos típicos, em muitos casos exemplares, amáveis e, a miúdo, respeitados e cordiais no seu trabalho. Por detrás dessa máscara com que se apresentam ante a sociedade, pensam que a mulher é um objecto que lhes pertence. E quando não se submete docilmente à sua vontade, quando lhe ocorre revoltar-se, sentem-se humilhados e recorrem à violência. Esta é a chave da conduta do agressor. Um homem, sem dúvida, zeloso, possessivo e controlador, que actua como se tivesse uma espécie de direito natural para humilhar a sua companheira. Mas, para além disto, creio que existe outro factor chave para entender este complexo problema: a violência existente no seio de uma sociedade é a soma das violências individuais de cada um dos seus membros; a que cada uma das pessoas que a compõem gera e a que é capaz de tolerar e assimilar. Cada gesto, atitude, ou comentário depreciativo e discriminatório contra as mulheres aumenta a permissividade e abre o caminho para os maus tratos. Não podemos ocultar a realidade. Quando uma mulher é violada, ameaçada, golpeada e assassinada toda a sociedade está ferida de morte. E longe de ser um problema da esfera individual converte-se num problema colectivo do nosso tecido social, da nossa sociedade. Também dos homens. É por isso que considero como um avanço o facto de que algumas das principais mulheres escritoras e jornalistas deste país tenham querido empenhar-se neste Projecto que se chama: Não são só os golpes que doem. Palavras contra a violência de género, para trabalhar e lutar por este objectivo comum. Cada uma partindo da sua visão, da sua ideologia, da pluralidade, origem diferente, desde a França ao Uruguai, desde o artigo de jornal ao relato, desde a dor profunda de alguma experiência, até à utopia pelo fim definitivo deste terrorismo doméstico. Unidas numa só voz, num só livro, longe da crispação reinante. Unindo a sua palavra para que esta tragédia dos nossos tempos seja um episódio de curta duração. Um pesadelo num mundo em que a morte espera muitas mulheres ao virar da esquina, precisamente por isso, por serem mulheres. Já dizia o dramaturgo francês Eugene Ionesco: «As ideologias separam-nos, os sonhos e a angústia unem-nos». E este é o nosso sonho comum: acabar com este ferrete que nos esmaga como os piores pesadelos. Sem sombra de dúvida, com o compromisso destas escritoras e jornalistas, criou-se a base para uma pedagogia social imprescindível para a sua erradicação. »


Javier Montilla, coordenador do livro colectivo «Não doem só as pancadas. Palavras contra a violência de género»»

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Votemos em mulheres para cargos políticos

Vem este texto a propósito do livro de Anne Kornblut, recentemente publicado, «Notes from the Cracked Ceiling», referido pelo blog guerillawomen, no qual a autora debate as razões que podem explicar por que candidatas femininas fortes, carismáticas e por vezes bem preparadas, perdem no confronto político com candidatos masculinos, nem sempre tão fortes, tão bem preparados ou sequer carismáticos. Ora, dada a distribuição por género da massa eleitoral, seria de esperar que, se as mulheres votassem massivamente nessas candidatas, elas tenderiam a ganhar e não a perder; mas isso não tem acontecido.

Em primeiro lugar, o eleitorado feminino jovem parece mais interessado em agradar aos namorados do que em assumir atitudes de independência ou defender as posições de quem teria qualquer contributo a dar no sentido dos seus interesses. As ideias que essas jovens mulheres têm do feminismo é a que os media passam e elas não procuram ir mais além; ora, como sabemos, os media são dominados por uma elite masculina que não é propriamente adepta fervorosa da causa das mulheres. Acresce ainda que toda a cultura popular continua dominada pelo paradigma sexista: não vemos filmes ou novelas ou seriados em que as heroínas sejam mulheres que tenham furado o bloqueio masculino ou que se tenham distinguido por qualquer intervenção positiva na área da esfera pública; as mulheres continuam a ser apresentadas fundamentalmente nos papéis de mães, esposas ou amantes e, para além disso, não parecem ter nada de especial a dizer às pessoas. Em flagrante contraste, o mito de que os homens é que têm coisas importantes a dizer subsiste e reforça-se pela ausência do papel feminino, de modo que na cultura popular, que modela a mentalidade das jovens, tudo lhes diz que devem ouvir, respeitar e … votar em homens.

Quanto às mulheres menos jovens, é de supor que o fenómeno seja equivalente e não tenha uma explicação muito diversa: seguir a posição política adoptada pelo marido deve ser bem mais fácil do que sustentar uma candidata que ele não veja com especial simpatia. Deste modo, sem grandes convulsões, sem parecer sequer que são afrontadas, nestas conivências e cumplicidades, perdem todas as mulheres, as jovens e as menos jovens, uma oportunidade única de interferirem na vida pública.

Está na hora de começarmos a perceber que assim como foi imprescindível adquirir o direito de voto para se alcançarem conquistas que hoje damos por adquiridas, também é imprescindível a participação activa das mulheres no poder político para mudar a regra do jogo sexista em que ainda vivemos.…

domingo, 27 de dezembro de 2009

Teoria do contrato e legalização da escravatura sexual


Ironicamente, é mais uma vez o velho dualismo que entende a pessoa humana como um composto de duas substâncias heterogéneas e independentes - por um lado, o corpo, por outro, o espírito, que dá substância ao argumento a favor da legalização da prostituição. A mulher prostituída (pelo homem, é bom lembrar) não se venderia porque, afinal, poderia sempre preservar a sua alma ou espírito ou o seu verdadeiro ser ou o que quer que queiramos chamar-lhe. Mas este dualismo não tem qualquer base científica e se subsiste é apenas enquanto crença religiosa entranhada nas mentalidades. Porque não se pode separar a pessoa do seu corpo e do pensamento de que esse corpo é o substracto material, vender-se enquanto corpo é vender-se tout court enquanto pessoa, mesmo que essa venda seja temporária, lucrativa e, sobretudo, trivializada e aceite pela insensibilidade de quem não presta muita atenção a estas questões, a começar pela imensa maioria das mulheres prostituídas, que tem necessidades primárias a ser satisfeitas antes de se puderem entregar a essas lucubrações, e a acabar nos seus «clientes» que, pelos vistos, não têm capacidade para estabelecerem relações gratificantes com pessoas que sejam suas companheiras e iguais.

Curiosamente quem defende a legalização da prostituição com base neste argumento acusa as outras pessoas - as que se opõem à legalização, de puritanas, de moralistas tacanhas e mesmo de reaccionárias. É tão desconcertante que chega a ser patético se não fosse também triste. Mas é bom que percebam, uma vez por todas, que a oposição à legalização da prostituição é análoga à oposição à legalização da escravatura. Mesmo que, supostamente, algumas pessoas decidissem alienar os seus direitos enquanto pessoas e decidissem entregar-se como escravas a terceiras, se tal acontecesse, ninguém hoje, em seu perfeito juízo iria defender a restauração do regime esclavocrata, mesmo que os escravos fossem voluntários e dessem o seu consentimento. Todavia, também é bom lembrar que, quando esse regime social se encontrava instituído nos territórios coloniais europeus e nos Estados Unidos, muitas vozes, algumas autorizadas e respeitadas, se levantaram para defender a escravatura como o regime que mais interessava aos próprios escravos que, sem a protecção dos seus senhores teriam vidas muito piores e miseráveis. Provavelmente são vozes do mesmo tipo as que hoje se ouvem a favor da legalização da escravatura sexual, porque é disso que se trata, deixemo-nos de paninhos quentes, de eufemismos e de meias palavras.

É espantosa a facilidade com que as pessoas racionalizam aquilo que mais lhes convém e vai ao encontro dos seus interesses! Eu sei que as coisas têm de ser contextualizadas e que se deve evitar absolutizar, mas também sei que há coisas que estão erradas e dessa sabedoria eu não abdico: prestar-se a ser usada e vendida como uma mercadoria é uma dessas coisas. Legalizar é legitimar, é enviar a mensagem de que não há nada de errado com essa prática e, neste específico caso, é garantir aos homens, calma e tranquilamente sem amargos de boca nem ressentimentos, que não há nada de errado em tratarem mulheres de carne e osso, mulheres iguais às suas filhas, às suas mães ou às suas irmãs, como objectos, como mercadorias á disposição para a satisfação sexual que não são capazes de garantir pelos meios aceitáveis e porque não dizê-lo, socialmente saudáveis – já que não me consta que nem mesmo os mais acérrimos defensares da legalização consideram desejável ou saudável a prática da prostituição, penso que acima de tudo continuam a encará-la como um mal menor, ou estarei enganada e afinal a insanidade deste nosso mundo já me ultrapassou completamente?!

É ainda corrente defender-se a legalização da prostituição com base na teoria do contrato que foi a pedra basilar do liberalismo político dos séculos XVIII e XIX e que deixou boa memória já que veio garantir, formalmente pelo menos, que o poder dos governantes depende da aceitação dos governados, o que supõe a ideia de contrato social. É muito curioso constatar como para defender algo tão indesejável como a prostituição dá um enorme jeito cooptar conceitos e linguagem progressista: afinal é preciso garantir a liberdade de toda a gente e também a liberdade das mulheres prostituidas: se elas querem, se acham bem, que direito temos nós de lhes negar essa liberdade? Porque é que não havemos de reconhecer o direito de abdicarem da liberdade, se não querem ser livres, deixemos que sejam escravas, mais, pavimentemos o caminho, legalizemos a situação. Estas pessoas, tão prontas a utilizarem conceitos progressistas quando lhes dá jeito e hipocritamente, porque no fundo, bem no fundo, estão-se nas tintas para as mulheres prostituídas pelos homens, omitem habilmente outros conceitos que mostrariam as falácias das posições que defendem, e um desses conceitos é o de que há direitos que são inalienáveis, isto é, há direitos de que a pessoa humana não pode abdicar e um desses direitos é o de ser tratada como pessoa não como escrava.

Além deste importante aspecto, quem defende a legalização do «negócio» também esconde, ou pura e simplesmente ignora, que a teoria do contrato social quando surgiu, no fim do século XVII e no século XVIII, serviu para justificar a opressão das mulheres e a sua subordinação e submissão aos homens no seio da família. Alegava-se que pelo contrato de casamento as mulheres delegavam nos maridos o poder para as representarem e tratarem de todos os assuntos legais que lhes diziam respeito, nomeadamente administrarem os seus bens, o que por vezes faziam de forma verdadeiramente desastrosa na maior impunidade. Elas casavam, não casavam? Ninguém as forçava a assinarem o contrato de casamento e o contrato estipulava que elas se submetiam aos maridos, davam assim o seu consentimento. Mas que outras opções tinham as mulheres? O que podiam fazer se não assinassem o contrato? Que pressões se exerciam sobre elas? Eram minimamente livres para escolherem o quê?

Podemos estabelecer paralelo entre o contrato de casamento das mulheres na sociedade liberal da Europa moderna e o contrato, dos nossos dias, entre a mulher prostituída e os seus clientes e perguntar, sem os malabarismos do costume de gosto demagógico, que opções têm as mulheres prostituídas que dão o seu consentimento e que contratualizam os seus serviços? Ninguém as força (claro que isto, em inúmeras circunstancias, nem sequer é verdade) logo o contrato é válido? Mas será? Quem é que honestamente pode admitir a validade de um contrato em que a assimetria de poder entre as partes é tão escandalosa e desequilibrada. Parece que estamos a brincar com as palavras, mas é bom que não brinquemos com a vida das pessoas.

Resumindo, prostituição é igual a escravatura sexual. Você vai querer legalizar a escravatura? Você aceita legitimar um regime social que existiu na Antiguidade, no «glorioso tempo dos gregos e romanos, na Idade Média dos servos da gleba e na Época Moderna dos territórios coloniais e dos países que «importaram» pessoas desses territórios como se fossem autênticos animais? Você vai admitir que é legitimo – no sentido de que é legal, que algumas (muitas) mulheres sejam tratadas como animais, pelas quais você próprio não tem o mínimo respeito? Ou tem? Ou você acha que até é um emprego lucrativo, recomendável para a sua irmã ou filha? Coloque-se no lugar dessas mulheres, estimule a sua capacidade de empatia, deixe de verter lágrimas de crocodilo pela situação péssima das «coitadas» porque não têm condições de trabalho para estipularem os seus contratos. Mas de que é que estamos a falar, que trabalho é esse? Talvez eu de facto tenha o meu quê de puritana, concedo, para mim o trabalho, mesmo o mais modesto, tem uma dimensão libertadora; o trabalho é o meio pelo qual o ser humano transforma a natureza em objecto de fruição, a melhora, a torna mais harmoniosa e se torna a si também mais harmonioso. Mas onde está aqui a libertação, onde está a harmonia, a reciprocidade na relação, a preocupação e o respeito pelo outro enquanto pessoa? ! Não vejo e muito sinceramente acho que você também não vê!
Este texto foi de certo modo inspirado no texto de um outro blog: Rascunhos de um Pagão, que abordou de forma muito interessante o tema.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Optimismo sexual num mundo em mudança

Do blog de gretachristina transcrevo um excerto de um post recente que transmite a sensação de que, apesar de tudo, as coisas mudaram e há alguns sinais positivos no que aos interesses das mulheres diz respeito. No post a autora escreve na primeira pessoa e compara a situação actual com a que existia algumas décadas atrás:

«Quando eu nasci, vibradores e outros itens afins para o prazer sexual das mulheres eram vendidos às escondidas, disfarçando-se o seu verdadeiro propósito. Hoje, uma espantosa variedade de vibradores e de outros instrumentos são acessíveis a qualquer pessoa que tenha um computador e um cartão de crédito … permitindo que milhões de mulheres atinjam facilmente o orgasmo.

Quando eu nasci, a simples ideia de prazer sexual feminino, e a ideia de que as mulheres tinham tanto direito ao prazer quanto os homens, era chocante e controversa. Hoje a noção de que as mulheres de facto apreciam sexo e de que tem o direito de esperar os tipos de sexo que apreciam, está geralmente estabelecida e aceite. (pelo menos muito mais do que há 47 anos. Mesmo os cristãos evangélicos de direita defendem a ideia de casamentos sexualmente satisfatórios … satisfatórios para ambos os parceiros, não apenas para os homens.)

Quando eu nasci, era geralmente aceite que mulheres num escritório estavam lá (1) para o prazer sexual dos homens, e (2) para caçar marido. Hoje, é geralmente aceite que as mulheres estão num escritório para que algum tipo de trabalho seja feito.

Quando eu nasci, o controlo de nascimento era ainda ilegal em cerca de metade dos Estados nos Estados Unidos, e os métodos de controlo disponíveis eram ineficientes perigosos, ou ambas as coisas. Hoje, o controlo de nascimentos é legal, amplamente disponível, numa variedade de formas, e muito mais seguro – permitindo assim que as mulheres desfrutem o sexo sem o constante receio de uma gravidez indesejada.

Quando eu nasci, crianças e adolescentes, que procuravam informação sobre sexo, encontravam-na nos amigos … que não sabiam mais acerca do assunto do que eles próprios. Hoje, crianças e adolescentes, que procuram informação sobre sexo, podem telefonar para San Francisco Sex Information, ou Scarleteen ou qualquer outro recurso de informação sobre sexo, rigorosa, anónima e que não emite qualquer juízo moral.
Bem, isto também é verdade para pessoas adultas, não apenas para crianças e adolescentes. Quando eu nasci, a informação sexual disponível para adultos era principalmente a de Kinsey, uma mão cheia de maus manuais de casamento … e os amigos, que não sabiam muito mais acerca de sexo do que elas próprios. Agora informação rigorosa e detalhada acerca de sexo – desde «Como posso ajudar a minha parceira a atingir o orgasmo? Até «Qual é o modo seguro de fazer um piercing nos meus genitais?.... é facilmente acessível com um simples clique no computador ou chamada telefónica.

Quando eu nasci, livros acerca de sexo, - ficção, não ficção, fotografia, arte, na melhor das hipóteses eram considerados vergonhosos e na pior ilegais, algo que se comprava sub-repticiamente e que se escondia debaixo da cama. Hoje, são vendidos no Amazon.

Quando eu nasci, nos Estados Unidos, pessoas eram encerradas em prisões ou em instituições para alienados mentais por serem homossexuais. Quase todos os homossexuais viviam as suas vidas em segredo, com pânico constante de serem descobertos e arruinados. Hoje, a mulher que eu amo e eu estamos legalmente casadas, vivemos juntas abertamente, com todos os nosso familiares, amigos e colegas de trabalho conhecendo o facto e não se preocupando com o assunto.

E eu podia continuar e continuar. Mas penso que perceberam onde quero chegar. Não pretendo que tudo seja um mar de rosas. Ainda estamos longe. (…) Não estou a dizer que o nosso mundo sexual é perfeito ou mesmo grande coisa (por isso, por favor, não escrevam comentários ultrajantes dizendo quão ingénua ou insensível sou). Não estou a dizer que o nosso mundo sexual é perfeito ou mesmo grande coisa, estou a dizer que é melhor. Está melhor do que estava. E está melhor porque durante décadas as pessoas trabalharam, escreveram e revoltaram-se.
Por isso, o melhor é continuarmos a fazer o nosso trabalho.»

sábado, 19 de dezembro de 2009

Orgasmo vaginal e frigidez feminina

«A frigidez foi geralmente definida pelos homens como a incapacidade de as mulheres terem orgasmos vaginais. De facto a vagina não é uma área muito sensível e não está construída para atingir o orgasmo. É o clitoris – equivalente feminino do pénis, que é o centro da sensibilidade sexual.

Penso que isto explica muita coisa:
Em primeiro lugar o facto de a designada frigidez atingir números muito altos entre as mulheres. Em vez de atribuirem a frigidez feminina a falsas crenças acerca da anatomia feminina, os nossos «peritos» declararam a frigidez um problema psicológico das mulheres. As mulheres que se queixavam eram recomendadas para os psiquiatras para eles descobrirem o problema – diagnosticado normalmente como uma incapacidade de se ajustarem ao seu papel como mulheres.

Os factos da anatomia e da resposta sexual feminina contam uma história muito diferente. Há apenas uma área para o clímax sexual, embora haja muitas áreas para a excitação sexual; essa área é o clítoris. Todos os orgasmos são extensões da sensação desta área. Dado que o clítoris não é necessariamente estimulado de forma suficiente com as posições sexuais convencionais, nós «ficamos» frígidas».

Anne koedit, The Myth of the vaginal orgasm, in Public Women, Public Words: A Documentary History of American Feminism, 2003, vol. 3, p.133

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Prostituição contrato?! Prática sexual libertadora?!

Para quem defende a legalização da prostituição com o argumento de que se trata de uma prática sexual a que as mulheres decidem livremente dedicar-se, um simples contrato, como qualquer outro, em que elas prestam serviços aos seus clientes e, em alguns casos, até uma prática libertadora para as mulheres - de uma maneira geral sexualmente reprimidas, as palavras de Catherine Mackinnon deveriam merecer alguma reflexão, pois de uma forma eloquente e breve ela desconstrói, com fina ironia, essa argumentação:

«Pode ser que haja qualquer coisa que me esteja a escapar, mas não vejo por aí, advogadas, feministas ou outras mulheres do género, a venderem-se pelas ruas ou a procurarem um pornógrafo de câmara na mão a fim de conseguirem a sua realização sexual e não me consta que isso aconteça porque elas são sexualmente reprimidas.» (Catherine Mackinnon: Feminism Unmodified, a Discourse on Life and Law)

O que de facto acontece, e toda a gente sabe, mas muitos querem fazer de conta, é que a maioria das prostitutas é «arrebanhada» para essa actividade por motivações em que a situação de vida miserável em que se encontram ou a falta de opções credíveis são uma componente muito forte, diria mesmo decisiva. O facto de haver um número reduzido de prostitutas, mais dotadas fisicamente ou mais inteligentes, que aparentemente conseguem “dar a volta ao texto”, não invalida que o «exército» de prostitutas seja constituído pelas mulheres mais vulneráveis e desprotegidas do planeta. Precisamente porque são as mais desprotegidas e vulneráveis é que elas «escolhem» a prostituição, isto quando sequer «escolhem» e não são simplesmente forçadas pelas máfias que trabalham no pedaço. Claro que as prostitutas são gente como qualquer uma de nós, e até é compreensível que algumas procurem mistificar-se a elas próprias e que, recusando o papel de vítimas, façam da necessidade virtude: são prostitutas, sim, porque querem. É isso o que dizem e até podemos conceder que é o que sentem; mas nós hoje, em pleno século XXI, temos instrumentos conceptuais para perceber que esse sentimento funciona como uma carapaça que elas utilizam para resistirem à adversidade, para preservarem o seu «eu», já que, como noutro contexto, disse Amanda Marcote: não se pode sair da selva, a única hipótese é tentar sobreviver.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Masoquismo feminino e dominação masculina

Durante séculos as mulheres têm sido apresentadas como masoquistas, isto é, como pessoas que aceitam o sofrimento e o sacrifício e que mesmo os apreciam. Transposto em termos de sexualidade, o masoquismo explicaria porque as mulheres gostam de homens dominadores e, por isso, , apreciam ser dominadas. Mas vejamos o que Sandra Lee Bartky tem a dizer sobre este assunto:

“O masoquismo feminino, como a feminilidade em geral, é um processo económico de integrar as mulheres no sistema patriarcal através do mecanismo do desejo e, embora a erotização das relações de domínio possa não estar no cerne do sistema de supremacia masculina, seguramente que o perpetua.
Os mecanismos precisos que trabalham para a sexualização da dominação não são claros e seria difícil mostrar em cada caso uma conexão entre um acto ou fantasia sexual específica e a opressão e dominação das mulheres em geral. Do mesmo modo que seria absurdo dizer que as mulheres aceitam salários inferiores aos dos homens porque é sexualmente excitante ganhar 62% de cada dólar que eles ganham, seria igualmente ingénuo insistir em que não há qualquer relação entre a dominação erótica e a subordinação sexual. Seguramente que a aceitação da dominação pelos homens não pode ser inteiramente independente do facto de que para muitas mulheres, a dominância nos homens é excitante.» (Sandra Lee Bartky: The Idea of Prostitution )

Espartilhos, saltos altos, pés enfaixados são apenas alguns instrumentos simbólicos do masoquismo feminino, mas este é natural ou socialmente induzido?

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Analfabetismo sexual e prostituição

Do blog Desobediencia e Felicidad tomei esta imagem, uma das que resultaram das Jornadas Nacionais (Argentina) para a abolição do tráfico e prostituição, que na minha opinião é um bom exemplo de didáctica sexual. Podem ver mais aqui.
Só uma ajuda para quem não está familiarizad@ com o Espanhol: na Argentina o verbo coger significa fornicar.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Prostituição e tráfico de mulheres

A imagem reporta um negócio asqueroso a decorrer em plena Oxford Street, Londres. Gigolos tentam vender uma mulher como escrava sexual. À esquerda, observando o negócio está a mulher, uma jovem lituana, de vinte e poucos anos, guardada por alguém que não aparece na foto. Mas esta jovem foi afortunada, a polícia conseguiu libertá-la e a quadrilha de traficantes albaneses foi presa e condenada a penas que somaram 63 anos de cárcere. Outras têm menos sorte. Estima-se que em 2003, no Reino Unido 4000 mulheres foram traficadas e introduzidas no mundo da prostituição.

Estas notícias deviam fazer pensar quem não vê nada de ruim neste «negócio» e considera que a prostituição não é condenável porque afinal decorre de um simples contrato entre prostituta e cliente, se a prostituta tem intermediário, o que podemos fazer? Afinal não é isso que acontece em muitos negócios? Só as feministas puritanas é que são umas chatas por quererem estragar a festa! *
* Este texto é uma adaptção livre do post publicado pelo blog The Cult of the Dead Fish

sábado, 5 de dezembro de 2009

Transformar a linguagem é transformar a realidade


Detectar o sexismo na linguagem é o primeiro passo, o segundo tem de ser o de encontrar os mecanismos que permitam superá –lo. Teresa Meano Suarez, citando o livro Nombra, elaborado pela Comissão Assessora para a Linguagem do Instituto da Mulher (Espanha), apresenta algumas sugestões que nos podem ajudar.

«As possibilidades que (o Nombra) nos coloca são realmente variadas, criativas e diversas. Frente aos difíceis e contínuos (o/a, o (a), o-a) nos oferecem: a utilização de genéricos reais (vítimas, pessoas, vizinhança - e não vizinhos, 'população valenciana' - e não 'valencianos'). Também o recurso aos abstratos (a redação e não os redatores, a legislação e não os legisladores). Mudanças também nas formas pessoais dos verbos ou dos pronomes (no lugar de Na Pré-história os homem viviam... podemos dizer os seres humanos, as pessoas, as mulheres e os homens e também na Pré-história se vivia... ou na Pré-história vivíamos...).

Outras vezes podemos substituir o suposto genérico homem ou homens pelos pronomes nós, nosso, nossa, nosso ou nossos (É bom para o bem-estar do homem... substituído por É bom para o nosso bem-estar...). Outras vezes podemos mudar o verbo da terceira para a segunda pessoa do singular ou para a primeira do plural sem mencionar o sujeito, ou colocar o verbo na terceira pessoa do singular precedida pelo pronome se ('Se recomenda aos usuários que utilizem corretamente o cartão' ... substituído por 'Recomendamos que utilize seu cartão corretamente...' ou 'Se recomenda o uso correto do cartão'). Ou ainda as mudanças do pronome impessoal ('Quando um se levanta' ficaria 'Quando alguém se levanta' ou 'Ao levantarmos' e também mudaríamos 'O que tenha passaporte ou Aqueles que queiram...' por 'Quem tenha passaporte...' ou 'Quem queira...').
Também temos recomendações para corrigir o uso androcêntrico da linguagem e evitar que se nomeiem as mulheres como dependentes, complementos, subalternas ou propriedades dos homens (Os nômades se transportavam com seus utensílios, gado e mulheres, Se organizavam atividades culturais para as esposas dos congressistas. Às mulheres lhes concederam o voto depois da Primeira Guerra Mundial), oferecendo-nos múltiplas e variadas soluções. E assim mais, muito mais.»
http://www.envio.org.ni/articulo/1149

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A luta continua

Venho hoje saudar o aparecimento de um novo blog apostado na luta contra a pornografia, desejando-lhe sucesso. Aqui fica o endereço do HANNA BI/ FOGOS DE ARTÍFICIO para que o possam visitar e nele colaborar com os vossos comentários.

Não é de mais insistir que esta é uma luta muito difícil até porque o discurso pornográfico cooptou em seu favor os valores da democracia, declarando-se moderno, desinibido, anti-preconceito e libertador, e recorre a estratégias que basicamente apostam na «glamorização» e «erotização» de situações que, de outra maneira, dificilmente seriam aceitáveis pelas próprias mulheres.

Convencer as mulheres de que a perspectiva masculina sobre a sexualidade não é uma perspectiva, mas um dado universal, é o objectivo que a pornografia pretende atingir. E o facto é que à falta de outro tipo de educação sexual, ou à falta da possibilidade de as mulheres puderem conduzir as suas próprias experiências em matéria de sexo – como sabemos a promiscuidade sexual feminina continua a ser fortemente penalizada já que uma mulher que toma a liberdade de escolher e variar as suas experiências ainda hoje é considerada uma vádia, a pornografia (sexista) tem sido bem sucedida e hoje é consumida por muitas mulheres que são iniciadas pelos seus companheiros; estes, através da pornografia, têm uma oportunidade única de lhes mostrar o que esperam delas.

Não esqueçamos que as mulheres continuam a ser condicionadas para agradar aos homens; que os homens lhes devam agradar é, como diria Rousseau, esse inefável misógino travestido de cavalheiro, um aspecto secundário; por isso, também em sexo as mulheres acham muito mais importante que os homens sintam prazer com elas e até escondem muitas vezes e perdoam que os homens não lhes dêem prazer; não se importam de se apagar para que o macho brilhe e se sinta todo-poderoso. Esse poder, para ser completo, requer a conivência da mulher, esta tem de se mostrar reconhecida e satisfeita também. É que os homens não querem apenas escravas subservientes, querem escravas que adorem ser escravizadas. Por isso é que no registo pornográfico, as mulheres aparentam sempre experimentar enorme prazer com tudo o que fazem aos homens ou que eles lhes fazem. Nós até podemos imaginar o fingimento que há nessas expressões, mas, como é para «inglês ver», está tudo bem quando acaba bem.

A pornografia não liberta ninguém, nem os próprios homens e muito menos as mulheres, porque nunca há liberdade quando existem carcereiros e prisioneiros, os primeiros estão «presos» à necessidade de vigiar os segundos para que estes não escapem na primeira oportunidade. A pornografia só atinge o preconceito antiquíssimo que projecta negatividade no sexo, mas à conta desse benefício, acaba por reforçar preconceitos bem mais importantes para que a sociedade de supremacia masculina possa persistir inalterada em aspectos essenciais: os preconceitos que insistem na inferioridade e subalternidade das mulheres. Se a pornografia conseguir mostrar que no sexo é esse o papel das mulheres, fica menos difícil convencê-las que em outros aspectos ele também o é e que é igualmente desejável que assim seja. Homens controladores e mulheres submissas é o padrão de qualquer sociedade sexista e se a submissão puder ser aceite favoravelmente é a cereja no cimo do bolo. Mostrar a submissão como susceptível de provocar prazer dá uma ajuda muito «moderna», que não é de modo nenhum negligenciável. Mostrar que a mulher moderna não sente qualquer prurido em se entregar às práticas sexuais que a pornografia apresenta como normais e naturais só revela que ela é desinibida. Não queremos todas ser modernas! Não queremos todas ser desinibidas! Ora aí está a oportunidade para o mostrar, uma oportunidade fácil que não requer estudo, inteligência, valorização pessoal, apenas um físico apetecível e também a indispensável apetência para nos acomodarmos ao que os homens querem de nós.
P.S. Ao pesquisar no Google uma imagem para ilustrar o post de hoje a primeira a aparecer em Master and slave foi esta. Sintomático, não?!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

violência contra as mulheres

No dia internacional da não violência contra as mulheres, a artista plástica uruguaia, radicada em Espanha, Luz Darriba presenteia-nos com uma proposta para começarmos a eliminar o sexismo subtil que aparentemente ninguém vê, mas que está omnipresente:

Porque esse sexismo é subtil, porque é normativo, mais difícil se torna de erradicar - dizem que estamos à procura de pelo em casca de ovo, mas ele fornece o enquadramneto para todas as outras formas de sexismo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Catherine Ashton

Catherine Ashton (1956), membro do Partido Trabalhista britânico, foi nomeada em 19 de Novembro último Representante Máxima da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança.

Graduada em Economia, participou na Campanha para o Desarmamento Nuclear e ocupou importantes cargos públicos. Ashton é casada e tem dois filhos.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Selvajaria à solta na Somália

Terça-feira passada, na Somália, uma jovem de 20 anos, embora divorciada, foi acusada da prática de adultério por manter relações sexuais com um homem solteiro de 29 anos. O castigo aplicado foi o apedrejamento até à morte; enterrada até à cintura, o espectáculo ocorreu na praça pública perante uma multidão de cerca de 200 pessoas. O homem foi punido com 100 chibatadas.
A região onde este e outros «crimes» análogos têm ocorrido é a zona sudeste da Somália, dominada pelas milícias al-Shabab que pretendem restaurar a Lei Islâmica na sua «pureza» original, que neste particular proíbe uma mulher que tenha sido casada, mesmo se obtém o divórcio, de ter relações extra-conjugais.
Grupos de direitos humanos têm denunciado sem sucesso estes crimes, o mais revoltante ocorreu no ano passado quando uma menina de 13 anos, que já tinha sido casada, foi apedrejada até à morte. Esses grupos ainda alegaram que a menina tinha sido violada, mas os extremistas muçulmanos disseram que ela era mais velha e que não tinha havido violação.
A Somália, em pleno século XXI, para além de outras práticas macabras como a pirataria, continua a ignorar os direitos humanos, particularmente na pessoa das mulheres e a cometer impunemente as maiores atrocidades perante uma comunidade internacional que assobia para o ar. Até quando?

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Publicidade sexista ou anti-sexista?

Será sexista este anúncio publicitário? Ou será anti-sexista como pretende autoproclamar-se?



Bem, pelo menos uma coisa é certa, denuncia o sexismo e reconhece a objectificação da mulher na publicidade.Parece um avanço, já que obriga pelo menos quem vê a reflectir.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Relativismo cultural sim, mas devagar …

O novo Guia de Cidadania do Canadá toma uma posição clara relativamente aos direitos das mulheres enquanto direitos humanos, avisando desde logo que actos que atentem contra esses direitos cometidos e justificados em nome de um pretenso relativismo cultural não mais irão ser tolerados porque são práticas culturais bárbaras decorrentes de crenças que atentam contra valores fundamentais do Canadá; o texto é claro e especifica mesmo os comportamentos que constituem crime no Canadá e que deveriam constituir crime em qualquer parte do mundo:

«No Canadá homens e mulheres são iguais perante a Lei… A abertura do Canadá e a sua generosidade não são compatíveis com práticas culturais bárabaras que toleram o abuso das esposas, os «crimes de honra», a mutilação genital feminina, ou qualquer outro tipo de violência com fundamento no género. Todos os culpados de tais crimes serão severamente punidos de acordo com as leis penais do Canadá.»
Estava na hora de abandonar o políticamente correcto e chamar as coisas pelos seus nomes: as tradições podem ser bárbaras, opressoras e indignas de povos civilizados.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A luta contra os estereótipos de beleza

Por acaso já há muito uso os sabonetes desta marca, mas a partir de agora, vou procurar usar outros produtos da mesma marca. Depois da saturação de tanta publicidade sexista e da violência que por seu intermédio é cometida contra as mulheres, é um refrigério encontrar uma mensagem de auto estima que desde cedo deve começar a ser incutida nas próprias crianças.



encontrei o tema e o vídeo aqui

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Se você quer ser dominada, então a violação deve ser a sua prática sexual preferida!

Quando iniciei este blog não me passava pela cabeça que me iria ocupar tão extensivamente com temas relacionados com a sexualidade. Pensava mesmo que poderia passar à margem deles e focar-me em outras situações que objectivamente prejudicam e maltratam as mulheres. Mas à medida que fui progredindo e lendo diferentes textos, comecei a sentir que iria ser impossível não entrar num tema, em que ainda por cima me sentia bastante ignorante; esta convicção foi reforçada quando encontrei uma referência de Catharine Mackinnon, segundo a qual:

«A sexualidade está para o feminismo como o trabalho está para o marxismo, constituem aquilo que mais intimamente nos pertence, mas de que mesmo assim mais somos espoliad@s

Esta declaração deu-me que pensar, sobretudo no que tem a ver com a sexualidade feminina. É que em boa verdade, o que existe é sexualidade masculina que fornece o modelo e a norma do que é a sexualidade e as mulheres devem conformar-se e interiorizar essa norma e esse modelo. E o que é ainda mais grave, segundo me parece, é que nem a generalidade dos homens nem a generalidade das mulheres têm a consciência mínima de que este é um problema, de que ele existe e tem consequências nefastas na vida de muitas pessoas e que é mais uma tremenda injustiça e violência cometida contra as mulheres.

Durante muito tempo, a sexualidade foi aberta e declaradamente definida em termos masculinos e o acto sexual era descrito como culminando com a ejaculação masculina, sem a menor atenção ao que se passava com a mulher. Hoje as coisas não são postas tão cruamente, a não ser no registo pornográfico sexista, mas o que é certo é que o modelo de sexualidade apresentado como norma é o masculino. Este modelo é o de domínio/submissão, típico da sexualidade masculina heterossexual, que parte do princípio, que ninguém questiona, que em termos sexuais as mulheres querem o que os homens querem, não tem vontades próprias, desejam o que o macho deseja e se ele deseja dominar elas então desejam que ele domina e consequentemente desejam ser dominadas. Se as mulheres aceitarem este modelo, e tudo é feito para que tal aconteça, então a violação deve ser uma prática sexual a que nada há a opor, porque nela o domínio de um e a submissão de outra são totais. E nesta ordem de ideias, como algumas feministas defendem, entre sexo (heterossexual) e violação não haveria diferença de natureza, só de grau.
Curiosamente já tinha lido esta aproximação entre sexo e violação e não tinha percebido onde com ela se queria chegar, pois não estava a ver a ligação e, como acontece comigo o que com certeza acontece com outras mulheres que são tratadas com carinho e respeito pelos seus companheiros, parecia-me injusta e questionável tal ligação. Também nunca tive qualquer fantasia de querer ser dominada sexualmente e, como já tive oportunidade de dizer em outros textos, privilegio sempre a reciprocidade na relação sexual, mas quando encontro mulheres que não tem pejo em declarar para quem as quer ouvir que se querem submeter aos seus companheiros, que gostam de homens bem machos, leia-se dominadores, então sem qualquer piedade, o que me apetece dizer-lhes é que, nesse caso, a sua prática favorita deve ser a violação. Essas mulheres não percebem que estão a ser «a voz do dono», não tem sequer a sensibilidade para perceberem que desistiram de construir a sua própria sexualidade para se limitarem a interiorizar a sexualidade masculina. Eu compreendo, mas não perdoo. Sobretudo não perdoo que não se sintam mal consigo mesmas por se terem tornado cúmplices totais do sistema que as oprime.

domingo, 8 de novembro de 2009

A pornografia constrói as mulheres como coisas para uso sexual

O texto de Catharine Mackinnon, que a seguir traduzo, reflecte sobre a pornografia, sua natureza e consequências; é um texto publicado em 1995 e podem dizer que já não traduz a realidade, porque entretanto a pornografia, face à demanda feminina de consumo, se alterou. Mas, embora aceite que ocorreram alterações no sentido de atenuar a carga sexista que comporta, penso que no essencial não se modificou e que o modelo permanece nas suas características essenciais.

A crítica de Mackinnon à pornografia não se funda na moralidade tradicional nem no pretenso carácter obsceno do relato pornográfico, tem o seu fundamento na convicção, para a qual as narrativas pornográficas que abundam no mercado fornecem argumentos, de que a pornografia inferioriza as mulheres e, reforçando o modelo sexual de domínio – submissão, reforça o estatuto que a sociedade sexista lhes atribui.

Sabemos das tentativas de produção de filmes porno não sexistas, por pessoas que, não vendo qualquer hipótese de se eliminar a pornografia sexista, supõem que o melhor antídoto é mais pornografia, de sentido diferente, como quando se combate um fogo com a técnica do contra-fogo. A intenção é positiva e louvável e recuso-me a adiantar mais sem ter a experiência directa desse tipo de filmes. Mas a pornografia que continua facilmente disponível, nomeadamente através da Internet continua a ser sexista, e a insistir na representação intensiva e extensiva da mulher como objecto sexual.

Para qualquer espectador que se esforça por ser imparcial - se é que isso é possível, a pornografia é uma mistificação, é uma mentira, porque as mulheres, nomeadamente as actrizes porno, não estão a sentir prazer, estão a fingir prazer o que é uma coisa completamente diferente, e estão a fingir prazer de situações que objectivamente não é suposto provocarem sensações de prazer, mas que são erotizadas, isto é que são apresentadas como se dessem prazer. A pornografia constrói assim a sexualidade feminina e também a masculina, mostrando modelos que uns e outras devem seguir para terem prazer. Que os homens tenham prazer através das práticas mostradas, não existem dúvidas, já em relação às mulheres, o que muitas dizem e há que não desvalorizar o seu testemunho, é que tais práticas não lhes dão prazer e são mesmo desagradáveis ou repugnantes.
Mesmo assim há quem defenda a pornografia e realce o seu poder libertador, é caso para perguntar, libertador para quem? È que, para as mulheres, tal como é apresentada (e estou para ver por que ainda não conheço a pornografia não sexista), reforça modelos de sujeição e de extrema dependência, de anulação da mulher como pessoa.

A pornografia não sexista pode revestir interesse se ajudar as mulheres a construírem a sua sexualidade em termos completamente diferentes daqueles que conhecemos e que a pornografia sexista vende. E essa tarefa, que tem até de passar pela construção de nova linguagem para referir a actividade sexual, é muito necessária se queremos uma sociedade justa e psicologicamente saudável.

Vejamos pois o texto de Mackinnon:
“Para a questão que Freud nunca colocou e que define a sexualidade numa perspectiva feminina: O que é que os homens querem? A pornografia fornece a resposta. A pornografia permite aos homens terem tudo aquilo que sexualmente desejam. Ela é para eles a verdade acerca do sexo. Ela relaciona a centralidade da objectificação sexual tanto com a excitação sexual masculina como com os modelos masculinos de conhecimento e verificação, conectando objectividade com objectificação. Mostra como os homens vêem o mundo, como ao vê-lo a ele acedem e o possuem, e mostra como é a acção humana de domínio sobre ele. Mostra o que os homens querem e como conseguem o que querem.
A partir do testemunho da pornografia, o que os homens querem é mulheres dominadas, mulheres espancadas, mulheres torturadas, mulheres degradadas e conspurcadas, mulheres assassinadas. Ou, para sermos just@s com o registo mais suave (soft core), mulheres sexualmente acessíveis, possuíveis, que estão ali à sua disposição, querendo ser possuídas e usadas, talvez com uma ligeira sugestão de escravidão. Qualquer acto de violentação das mulheres - violação, espancamento, prostituição, abuso sexual de crianças, assédio sexual, é apresentado como sexualidade, é tornado sexy, divertido e libertador da verdadeira natureza da mulher na pornografia. (…)
As mulheres são transformadas em e postas em paralelo com qualquer coisa considerada inferior ao humano: animais, objectos, crianças e – claro, outras mulheres. (…)
A pornografia é um meio através do qual a sexualidade é socialmente construída, é um lugar de construção, um domínio de exercício. Constrói as mulheres como coisas para uso sexual e constrói os seus consumidores para quererem desesperadamente a posse, a crueldade e a desumanização. A própria desigualdade, a própria sujeição, a própria hierarquização, a própria objectificação, o abandono em êxtase da capacidade de auto-determinação, é o conteúdo aparente do desejo sexual das mulheres e é o que é desejável. (…)
Se a pornografia não se tivesse tornado sexo para os homens e do ponto de vista dos homens, seria difícil explicar porque é que a indústria pornográfica arrecada biliões de dólares por ano vendendo-a como sexo principalmente para homens; porque é que é utilizada para ensinar sexo às prostitutas infantis, às esposas, filhas e namoradas recalcitrantes, a estudantes de medicina e a agressores sexuais; porque é que quase universalmente é classificada como uma subdivisão da «literatura erótica»; porque é que é protegida e defendida como se fosse o próprio sexo. E porque é que um eminente sexólogo manifesta o receio de que, se a perspectiva feminista se reforçar contra a pornografia na sociedade, os homens tornar-se-ão «eroticamente inertes»: não havendo pornografia, não há sexualidade masculina.”

Catharine Mackinnon: Sexuality, Pornography, and Method: "Pleasure Under Patriarchy"

Podemos resumir o conteúdo deste texto nos seguintes pontos:

1. A pornografia é para os homens a verdade acerca do sexo (é preciso dizer que se está a falar da pornografia sexista e da generalidade dos homens). A verdade dos homens é que a mulher é objecto sexual e é nesse contexto que os excita.

2. É a redução da mulher a objecto que fornece o enquadramento para a sua dominação sexual, elemento importante da sua dominação social.

3. Mas os homens não querem apenas dominar as mulheres, querem que elas gostem de ser dominadas.

4. E aqui a pornografia fornece os instrumentos de violência simbólica ao erotizar e transformar em sexo inúmeras situações de violência, com a correspondente mensagem: ser sexualmente dominada pelo homem é sexy, responder positiva e gratamente a todos os desejos e fantasias do homem é sexy; rejeitar em êxtase a sua própria capacidade de auto-determinação é sexy.

5. As imagens pornográficas mostram constantemente mulheres revelando excitação e prazer por tudo quanto fazem aos homens e por tudo quanto os homens lhes fazem, sendo que tudo gravita ao redor da «imponência» do pénis. Mesmo as situações que objectivamente não é suposto provocarem sensações de prazer são erotizadas, isto é são apresentadas como se dessem prazer, a avaliar pelos sons emitidos pelas personagens, pelas suas expressões faciais ou pelas expressões verbais utilizadas.

6. A pornografia é assim um poderoso instrumento de construção da sexualidade: a sexualidade é uma construção social de poder masculino, definida pelos homens e «imposta» às mulheres. A pornografia constrói as mulheres como coisas e constrói os homens como sujeitos que vão usar sexualmente as mulheres.

7. As mulheres aprendem a sexualidade com os seus companheiros e estes são socializados com o modelo sexual de domínio/submissão que é expresso através da própria linguagem. Deste modo, as mulheres são privadas da possibilidade de terem experiências suas e dos próprios termos que eventualmente as pudessem descrever: são «obrigadas» a verem-se e a referirem-se a si próprias nos termos que os homens e a linguagem sexista estipularam.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Misoginia no local de trabalho

Mori Cameron (44), a primeira mulher guarda da Torre de Londres em 524 anos acusou três colegas de a terem assediado sexualmente quando se encontrava (sozinha) no seu posto. A queixa está a ser investigada e dois deles foram entretanto suspensos de funções.

O uniforme de Cameron foi vandalizado e foram deixados comentários insultuosos no seu cacifo. Parece que os homens continuam a reagir negativamente ao acesso das mulheres a um estatuto profissional igualitário e que o cavalheirismo descamba em misoginia sempre que a oportunidade se oferece.
O episódio é tanto mais grave quando seria de esperar um comportamento digno e irrepreensível de elementos do exército britânico que são escolhidos para este cargo depois de terem prestado provas exigentes e após um longo período de exercício de funções.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Complexo de Édipo e misoginia

Embora, como referi em texto anterior, a principal causa da misoginia radique no desejo de manter as mulheres em sujeição, já que é sempre qualquer atitude de rebeldia que a desencadeia, há também componentes psicológicas que ajudam a compreender melhor este complexo fenómeno.

Comecemos por lembrar que vivemos em sociedades moldadas pelos valores do judaísmo e do cristianismo – adquiridos por processos de impregnação cultural, que projectam no sexo uma tremenda carga negativa e lembremos ainda que, apesar de todos os avanços, as mentalidades resistem sempre à mudança, sobretudo quando se trata do núcleo duro das nossas emoções e sentimentos. Isto dito, para realçar que por mais modern@s que sejamos, continua a haver muito de atávico e de atrasado em nós.

A carga negativa que o sexo suscita transporta consigo um sentimento de culpa e desde cedo aprendemos que tudo o que com ele se relaciona é feio, obsceno e tabu. Os homens, tal como as mulheres, experimentam este sentimento de culpa que os leva a considerar o sexo degradante, e como para tudo, sempre que se pode, é bom encontrar um bode expiatório, como puderam, foram muito expeditos em projectar na mulher, no objecto do seu desejo sexual, essa carga negativa. A sua preocupação com o sexo é tão obsessiva e a tendência para reprimir o desejo sexual tão forte que, para se desculpabilizarem, precisam de perceber as mulheres como seres desprovidos de espiritualidade, puramente carnais e apostadas em os seduzir e corromper, por isso tem de as degradar, desvalorizar e culpabilizar. Se o sexo é degradante, se as mulheres são objectos sexuais e se reduzem ao sexo, então as mulheres são seres degradantes e obviamente inferiores. Toda esta construção mental, que nem sempre é muito óbvia, revela-se claramente se pensarmos num exemplo simples e bastante comum: não se considera indigno ou menos respeitável o homem que tem sexo com prostitutas, mas, em contrapartida, estas são percebidas como criaturas desprezíveis sobre as quais recai um tremendo estigma social. Não é o homem que é desprezível, por desejar sexualmente a mulher e por pagar para conseguir satisfazer o seu desejo, é a mulher que é desprezível por satisfazer esse desejo a troco de uma remuneração.

Há ainda um outro aspecto que em minha opinião lança alguma luz sobre esta curiosa tendência que os homens (muitos, com certeza mesmo mais do que imaginamos) têm para degradar e desrespeitar as mulheres, reduzindo-as à condição de objecto sexual mais ou menos desprovido de valor, em conformidade com os seus atractivos físicos e idade. Este aspecto tem alguma relação com o famoso complexo de Édipo que Freud descreveu.

Freud considerou que o desenvolvimento psicológico das crianças do sexo masculino passa por uma fase - que designou de Complexo de Édipo, na qual o menino «ama» a mãe e detesta o pai que surge como rival do carinho e atenção que a mãe lhe prodigaliza. Mas se evoluir normalmente acabará por resolver este complexo e por se tornar um adulto equilibrado.

Ora o que é que o complexo de Édipo poderá ter a ver com o desrespeito e depreciação das mulheres pelos homens? A resposta, embora puramente especulativa, parece revestir algum poder explicativo: pode supor-se que em muitos homens o complexo de Édipo vai deixar sempre uma marca, eles aprenderam a desistir do amor físico pela mãe, mas, assim como não puderam amar fisicamente a mãe, pela qual sentiam carinho e respeito, também não vão ser capazes de amar fisicamente qualquer mulher pela qual nutram sentimentos equivalentes. Como é que resolvem a situação? Amando fisicamente uma mulher que desrespeitem nem que para tal tenham de a levar a aderir (adesão extorquida) a comportamentos e atitudes que eles próprios consideram degradantes. Isto em certa medida poderia explicar toda a parafernália de actos pretensamente eróticos, mas intrinsecamente violentos e degradantes, que a pornografia vende com tanto sucesso.

Uma última nota: a depreciação e repressão da actividade sexual é uma constante de todas as culturas que repousam numa concepção dualista do ser humano enquanto composto de espírito e de corpo da qual decorre a desvalorização do corpo e de todas as actividades que com ele directamente se relacionam.

sábado, 31 de outubro de 2009

Misoginia é a prática, sexismo a teoria

O termo «misoginia» significa literalmente ódio às mulheres, mas, mais do que um sentimento, deve antes ser entendido como um mecanismo de controlo que usa a violência e a opressão como instrumentos. Os homens e as mulheres que consideramos misóginos vão sempre negar que odeiam as mulheres, o que não podem negar é que querem que elas sejam controladas, sobretudo nas diversas manifestações da sua sexualidade e na sua capacidade reprodutiva e para tal não hesitam em usar violência verbal ou mesmo física, tentando ridicularizar e depreciar as mulheres para assim «mostrarem» a sua inferioridade e desse modo justificarem a supremacia e o controlo masculinos.

As mulheres misóginas - expressão aparentemente paradoxal, assimilaram e interiorizaram os valores machistas e desse modo não percebem que se tornaram cúmplices do sistema opressor. Estão muitas vezes na primeira linha quando se trata de definir as atitudes que a «verdadeira» mulher deve adoptar ou quando se trata de desculpabilizar os homens por pretenso excessos que estes possam cometer, «provocados» pela aparência, por exemplo vestuário, ou por comportamento que considerem inapropriado, por exemplo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Esquecem que estão a utilizar um argumento antiquíssimo que encontramos nos textos bíblicos que identifica a mulher como a eterna sedutora e corruptora do homem e por isso culpada ab inicio dos piores crimes. Por outro lado elas próprias assimilaram a visão do sexo como algo mau, que os homens desde sempre endossaram; estes, sentindo-se culpabilizados por experimentarem desejo por algo que consideram mau, pelo mecanismo do bode expiatório projectam na mulher toda essa negatividade e culpabilidade que o sexo lhes provoca. Por exemplo, muitas mulheres são as primeiras a desculpar a promiscuidade sexual dos homens – mesmo quando estes são casados, e a punirem severamente o mesmo comportamento nas mulheres – mesmo quando estas são solteiras. Mas um pouco de reflexão permite-nos concluir que uma mulher promíscua – que tem relação com vários parceiros sexuais sem que isso envolva qualquer compromisso afectivo ou social, só pela experiência em si ou pelo prazer que ela lhe possa causar – revela, pela sua atitude a intenção de controlar a sua própria sexualidade, de procurar o seu prazer através de experiências diferentes e variadas e não se guardar para um único companheiro. Ora, como as mulheres que interiorizaram sentimentos misóginos não são capazes de deles se libertarem, atacam aquelas que furaram o bloqueio e muitas vezes dirigem esses sentimentos hostis contra si próprias o que explica também porque é que tantas sofrem de distúrbios digestivos, tem uma auto-imagem negativa ou entendem que o sofrimento que experimentam não é injusto.

Os homens e as mulheres misóginas bem como as sociedades misóginas - podemos tomar como exemplo extremo dos nossos dias a sociedade afegã, sempre protestam respeito pelas mulheres mesmo quando lhes batem ou ameaçam matá-las, justificando-se com o facto de elas não se conduzirem de acordo com a cartilha machista que é entendida como um autêntico manual de bom comportamento. A percepção que têm da mulher é a de um ser menor que, tal como uma criança, precisa de ser controlada para o seu próprio bem: assim como o pai que bate no filho quando ele faz uma asneira, também o marido que bate na mulher tem o mesmo tipo de razão, num caso ou no outro recusam ver aqui qualquer sintoma de ódio. Mas afinal não respeitam as mulheres o que respeitam e exaltam é um ideal de mulher que construíram nas suas cabeças pretendendo que todas se devem conformar a esse ideal, quando isso não acontece o respeito e a adoração descambam em desprezo e hostilidade e a mulher cai do belo pedestal em que a colocaram.

Tudo isto significa que o problema central com que as mulheres se vêem confrontadas não é tanto a misoginia mas sobretudo o sexismo nas suas diversas modalidades pois a misoginia é um produto lateral do sexismo, a misoginia é apenas o instrumento que é utilizado quando o sexismo é posto em causa, quando a mulher se rebela contra o papel que a sociedade sexista para ela estipula e, paralelamente, a tonalidade hostil que a acompanha apenas serve para justificar o recurso a esse instrumento de controlo, quando os mecanismos mais subtis falharam.

Resumindo, podemos dizer que a supremacia masculina, característica dominante da sociedade patriarcal, exige que os homens controlem as mulheres, o que será mais fácil se as convencerem de que elas necessitam de ser controladas e de que limitar-lhes a liberdade é uma forma de as protegerem. Para as controlarem, têm de as discriminar (sexismo) e, por último, para as discriminarem precisam de sentir que elas são inferiores (misoginia). Podemos assim dizer que o sexismo é a teoria e a misoginia é a prática e que esta pela violência de que se reveste requer um fundamento afectivo de hostilidade em relação às mulheres.

«Mulheres Presentes na História»

«Mulheres Presentes na História» é um movimento feminista organizado na Bolívia, que luta pela paridade na representação política da Assembleia Legislativa Nacional, consciente de que só através dessa representação podem ser defendidos os direitos das mulheres e denunciados os atropelos aos mesmos. Foi este movimento que conseguiu anteriormente que pelo menos 33% da Assembleia fosse composta por mulheres e que hoje vai mais além reclamando a justa cota dos 50% já que mais de metade da população boliviana é feminina.

No velho continente, tudo evidencia que estamos mais acomodadas e particularmente em Portugal não conseguimos ir além dos 33% . As nossas modestas ambições e o pouco empenhamento em qualquer tipo de luta ou de movimento organizado não parecem levar-nos a parte nenhuma. Ora, enquanto não percebermos que a união, a organização e o empenhamento numa luta que defina objectivos ambiciosos mas viáveis é imprescindivel, as mudanças serão necessáriamente muito mais lentas e pouco significativas.

Tomei este vídeo do blog Género con Clase onde originalmente o visionei.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Quando é que a relação sexual é moralmente correcta?

«Há dois séculos, Immanuel Kant (1724-1804) deu um contributo significativo para uma perspectiva racional sobre a ética ligada ao sexo, quando defendeu que é moralmente errado tratar as pessoas como simples meios para o que cada um deseja e não também como fins em si mesmas. De facto, Kant compreendeu que não conseguimos evitar tratar as pessoas como meios. O que é errado é usá-las meramente como meios, sem reconhecer o seu valor como fins em si mesmas. (…) Em relação ao sexo, Kant disse que fora de uma relação de amor, as pessoas são tratadas como objectos sexuais. Ele deve ter sido a primeira pessoa a denunciar o uso das pessoas como objectos sexuais. Kant sustentou que, fora do casamento, as pessoas são usadas como meros objectos de desejo sexual.

Não precisamos de concordar com Kant de que o casamento é o único modo de evitar o uso das pessoas como meros meios. (…) O elemento básico acerca da incorrecção de usar uma pessoa como um simples meio sustenta-se por si mesmo. A falta moral acerca da qual Kant escreveu continua a ser uma falta. Porquê? Usar uma pessoa como mero meio para os fins de uma outra cria uma relação na qual a pessoa não é respeitada como pessoa e a sua liberdade e desenvolvimento pessoal não são favorecidos. Em tal relação, há uma falta de reciprocidade e mutualidade. Estas faltas tornam a relação sexual moralmente errada. Respeitar totalmente a personalidade e liberdade do outro, ajudá-lo a crescer em capacidade para realizar o seu potencial respeitando o direito do outro a ser ele próprio e não um mero apêndice de cada um, evitar o que quer que o fira e prejudique, aprender a falar em conjunto e a discutir os desacordos honestamente – estas são algumas coisas que tornam uma relação sexual moralmente correcta.»

Don Marietta: Philosophy of Sexuality


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O clitoris - esse ilustre desconhecido

"Há alguma esperança para as vítimas de mutilação genital feminina – isto se você for cidadã de um país como a França ou os Estados Unidos. A Newsweek reporta o trabalho da Drª. Marci Bowers, que realiza operações reconstrutivas em mulheres que sofreram ablação do clitoris; 80% das mulheres que se submeteram à operação viram os seus sentimentos de prazer restaurados.

Foi a primeira vez que ouvi falar em tal possibilidade. O clitoris é um órgão maravilhoso e tem sido mantido no esquecimento, como a investigação recente revelou. Por isso não é impensável que haja opções de restauração. Porque não pensei nisso antes? Felizmente o Dr. Pierre Foldès pensou. Há cerca de vinte anos, quando começou, descobriu:

«Foi para mim chocante constatar através da minha investigação que não havia nada, absolutamente nada acerca deste órgão, ao passo que havia centenas de livros sobre o pénis e várias técnicas cirúrgicas para lhe aumentar o comprimento, alargá-lo ou repará-lo. Ninguém estava a estudar o clitoris porque ele é associado ao prazer das mulheres. Os detalhes anatómicos sobre ele eram muito escassos. Era como se não existisse. Tive de começar do nada.»

Mas agora as coisas começam a mudar”

P. S. Dadas as características sexistas da língua inglesa, como aliás de todas as outras, só através de investigação no Google descobri que Dr. Marci Bowers é uma cirurgiã e não um cirurgião como inicialmente pensei, curiosamente, ou não, a Drª Marci Bowers é transexual.
Perante os dados disponibilizados neste post acerca da atenção dada pela comunidade científica ao clitoris e ao penis é caso para inquirir quem é que ainda tem dúvidas de que vivemos de facto em sociedades falo-cêntricas?

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O papel dos media na transmissão cultural

«A premissa de que – TV, filmes, discos e pornografia não têm efeito na realidade – é de facto completamente idiota. Os humanos são animais culturais.
TV/Filmes/discos/pornografia são meios de transmissão cultural, tal como qualquer outro meio ou forma de comunicação. Actualmente, estes são mesmo os nossos meios fundamentais de transmissão cultural.
E toda a gente sabe isso. É por esse motivo que as pessoas objectam contra as descrições racistas ou homofóbicas ou mesmo contra a ausência de modelos positivos de papeis para as minorias. Porque tudo isso faz parte da nossa transmissão cultural, de como nós partilhamos, trocamos e ensinamos valores e ideias.
Contudo este misterioso conhecimento evapora-se quando o assunto é caro ao coração de cada um – como a pornografia ou a violência ou as descrições caricatas de mulheres. Então, como por um passe de mágica, diz-se que os filmes e a pornografia existem no vácuo, num outro mundo: não há qualquer transmissão cultural, nem valores nem qualquer impacto nos humanos que os consomem. É absolutamente inacreditável.»


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Adaptar as instituições ao novo estatuto das mulheres

Neste vídeo, Maria Shriver, coautora com John Podesta do Relatório: A Woman Nation, e Valerie Jarret, conselheira da Casa Branca para os problemas das mulheres e das jovens analisam as mudanças profundas ocorridas na força laboral dos Estados Unidos nas últimas décadas que conta actualmente com uma participação de mulheres de cerca de 50% e com cerca de 40% das mulheres ganhando tanto ou mais do que os homens.

Duas notas curiosas denunciam que as mudanças vieram para ficar e que se deu uma importante transformação nas atitudes e por arrastamento nas mentalidades: embora se reconheça que a ausência do pai e da mãe pode ser prejudicial para o desenvolvimento das crianças, já ninguém se atreve a sugerir que a solução consiste em convencer as mulheres a retornarem ao lar, antes se enfatiza a necessidade de os empregadores e as empresas adoptarem horários flexíveis, concederem maiores nenefícios e assumirem uma visão mais realistas das necessidades actuais da Família e de nesta se dividirem tarefas e responsabilidades no que respeita aos cuidados com as crianças e os mais velhos. Por outro lado, 80% dos homens inquiridos responderam não ver qualquer problema no facto da mulher ganhar mais do que o marido.

Apraz-me pois registar que se começa a perceber a necessidade de reorganizar o mundo do trabalho que foi e continua a ser em muitos aspectos um mundo dos homens e para os homens espaldado numa separação nítida entre esfera pública e esfera privada.


Visit msnbc.com for Breaking News, World News, and News about the Economy

domingo, 18 de outubro de 2009

A espantosa jornada das mulheres nas últimas décadas

Do blog Feminist Philosopher, traduzo um excerto do último post que mostra bem, através de breves apontamentos, o extraordinário trajecto que as mulheres americanas percorreram desde a década de sessenta do século vinte e que tem paralelo com o que aconteceu na Europa e também em Portugal.
São sinais positivos, mas há ainda muito para fazer, especificamente quando se continua a verificar enorme disparidade de salários para trabalho igual e quando a maioria das mulheres continua a enfrentar dificuldades significativas para aceder a lugares de maior estatuto e melhor remuneração.
Gail Collins, colunista do NY Times, escreveu: Quando tudo mudou - a espantosa jornada das mulheres americanas de 1960 até ao presente. The NY Times fornece apontamentos dos anos sessenta que podem parecer bizarros, mesmo a quem viveu nesse período:

Em 1960, Lois Rabinowitz, secretária, presente em tribunal para contestar o despedimento pelo patrão …. foi repreendida pelo juiz por usar roupa menos apropriada (slacks) … mandada para casa para trocar de roupa e o marido foi admoestado para a manter com a rédea mais curta, o juiz disse ainda aos jornalistas que detestava ver « as mulheres caírem do seu pedestal».

Em 1964 numa audiência no Congresso, quando os executivos de uma companhia aérea testemunhavam que era imperativo que os homens de negócios tivessem os charutos acesos e as bebidas servidas por hospedeiras atraentes, a congressista Martha Griffiths perguntou, «o que é que vocês estão a dirigir, uma companhia aérea ou uma casa de putas?» e a conversa começou a mudar de rumo.

Ou aquele glorioso dia de 1963 quando 250 mil pessoas se reuniram para ouvir o extraordinário discurso de Martin Luther King, «e muito poucas pessoas se deram conta de que as mulheres negras tinham sido quase completamente excluídas do evento». Embora nenhuma mulher estivesse na lista dos que iriam discursar, os homens continuaram a salientar que «apesar de tudo tinham convidado Marian Anderson para cantar.» (…)

Há uma nota perturbadora no artigo de Gail Collins: Mais mulheres (a partir dos anos 80) do que homens passaram a frequentar o ensino superior; a diferença de salário entre os géneros começou a diminuir. (Se você não quer nenhuma diferença permaneça jovem, solteira e sem filhos). Parece um simples facto que mulheres jovens, solteiras e sem filhos, em áreas metropolitanas, tem paridade de pagamento com os homens, mas mais nenhumas outras mulheres o têm. E sabemos bem porque é que isto acontece, incluindo a sobrecarga acrescida de famílias em que a mulher é o único esteio. “
A imagem é da congressista norte-americana e feminista Martha Griffiths (1912-2003)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Manter as mulheres silenciosas é um meio de as dominar - pedagogia dos contos de fadas

Os contos de fadas atravessam as gerações e são transversais a todos os extractos da sociedade; contados às crianças desde a mais tenra infância, servem a dupla função de divertir e ensinar, transmitindo modelos de comportamento e normativos sociais.
Sem qualquer esforço e com perfeita naturalidade, as crianças identificam-se com os caracteres que lhes são apresentados a uma luz favorável e distanciam-se e repelem os outros, aprendendo assim por impregnação cultural os papéis que se espera venham a desempenhar. Pode falar-se em autêntica lavagem ao cérebro que garante a prevalência do grupo socialmente dominante.

Como o grupo dominante tem todo o interesse em que as mulheres continuem no lugar subordinado e secundarizado que desde sempre lhes tem sido destinado, as personagens femininas que correspondem às futuras boas mulheres apresentam certos atributos que são especialmente valorizados, destes destacam-se três extremamente importantes: o silêncio, a passividade e a beleza. Vamos ver cada um destes atributos de per si.

Nos contos de fadas as boas meninas são caladas e pacatas: fazerem-se ouvir, manifestar opiniões ou expressar desejos é mostrado como algo pouco apropriado; implicitamente supõe-se que não tem nada de importante a dizer e que assim devem continuar. Esta valorização do silêncio feminino, embora desconcertante, tem uma explicação bastante óbvia. Há uma relação profunda entre palavra e poder, quem tem o dom da primeira pode vir a conseguir o segundo. Saber verbalizar, saber exprimir, é um instrumento poderoso para influenciar os outros e os levar a cursos de acção que podem ser os desejados por aquele que verbaliza. Normalmente associa-se a capacidade verbal a pessoas que ocupam lugares de autoridade, ora não interessa nada que as mulheres sequer pensem em conquistá-los, por isso, nos contos de fadas só as mulheres más, as bruxas é que detém este poder, mas para praticar aquilo que é apresentado como mau, rogar pragas às boas personagens da história. Por isso, manter as mulheres silenciosas é um meio de as dominar.

Nos contos de fadas, um atributo muito inculcado nas mulheres é a passividade; sempre que são colocadas em situações de perigo, não fazem nada, não tomam qualquer iniciativa, apenas esperam pelo «cavaleiro andante» que, arrostando todos os perigos, as virá salvar. A mensagem subliminar que passa é a de que as mulheres são fracas, indefesas e incapazes de tomarem iniciativas e decisões apropriadas pelo que devem deixar esse papel aos homens, pois só eles as podem proteger. É caso para perguntar de quem têm elas de ser protegidas? De qualquer modo, a passividade das mulheres serve para justificar a dominância dos homens.

Por último, mas não menos importante, nos contos de fadas, a beleza é extremamente reverenciada, é a porta da felicidade entendida em termos do perfeito casamento que finalizará a história. As mulheres são amadas porque são belas, não porque são inteligentes ou têm uma personalidade interessante, isso nunca importa. Avaliar um ser humano com base num atributo completamente superficial é extremamente injusto, mas os contos de fadas preocupam-se pouco com a justiça ou com a injustiça, não é para isso que servem.

Estas três características: silêncio, passividade e beleza ainda hoje são muito valorizadas, por isso não surpreende que tantas mulheres as endossem; por isso também quebrar esta corrente que nos subjuga constitui uma tarefa prioritária. Se começarmos por quebrar o silêncio, se nos atrevermos a falar o que até hoje calamos, o resto virá por arrastamento.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Hiper-realidade no mundo da moda

Foi o sociólogo francês Jean Baudrillard (1927-2007) quem criou o conceito de hiper-realidade para referir as representações que os media fazem da realidade e que, em particular, a publicidade da moda e a pornografia fazem das mulheres. Nessas representações, a distinção entre o real e o imaginário desaparece. A hiper-realidade é uma fraude que não é percebida como fraude.

As representações hiper-reais que a publicidade da moda e a pornografia fazem das mulheres são muito diferentes entre si, mas têm em comum o facto de proporem como reais autênticos simulacros de mulheres. O que é grave é que muitas mulheres reais se vão procurar aproximar desses simulacros, que obviamente não são percebidos como tais, seja através de dietas de emagrecimento perigosas, seja por meio de operações estéticas, igualmente perigosas e normalmente desnecessárias, para modificar as mais diferentes partes do corpo. Ocupar a mulher com a preocupação obsessiva com a aparência física é o resultado pretendido, obrigar a mulher a perceber-se através do olhar dos outros é uma forma de a menorizar.

O mundo da moda é o mundo da mulher tradicional e para que ele subsista e facture é preciso que a mulher continue a investir num conceito de feminilidade que os novos papéis que as mulheres desempenham no mundo do trabalho podem colocar em causa e sobretudo é preciso que esteja eternamente descontente com a sua auto-imagem para adquirir tudo o que esse universo de fantasia e glamour lhe propõe.
A recente celeuma a propósito da marca Ralph Lauren que através do fotoshop estilizou uma sua modelo é um bom exemplo de representação hiper-real.